Podemos
novamente contar com a colaboração da Professora Sandra Maria
Castanho, desta vez com um artigo publicado durante a realização de
sua graduação em História, pela Universidade Estadual de Maringá.
QUESTÃO
AGRÁRIA NO BRASIL (1950 -1960).
Este artigo tem por objetivo discutir a inclusão dos
trabalhadores rurais no debate político nas décadas de 1950 e 1960,
bem como o debate sobre a legislação social trabalhista e a Reforma
Agrária, usando como principal fonte o Jornal Terra Livre.
A primeira edição do jornal Terra Livre
foi publicada no dia 5 de maio de 1949. Considerado o primeiro jornal
brasileiro a se dedicar ao cotidiano dos trabalhadores rurais,
informava sobre direitos sociais, trabalhistas, organização
sindical, além de vários temas ligados ao homem do campo. O jornal,
de periodicidade quinzenal, foi editado até 1964,
quando o golpe militar proibiu as suas atividades, inviabilizando a
sua continuidade. No início o jornal estava sob a responsabilidade
editorial do Partido Comunista Brasileiro, sendo que a partir de
1954, quando da fundação da União dos Lavradores e Trabalhadores
Agrícolas do Brasil (ULTAB), o jornal passou a ser editado sob a sua
responsabilidade.
Segundo
Medeiros, o periódico foi o principal instrumento escrito de
propaganda das bandeiras do PCB entre os trabalhadores do campo e de
apoio às lutas pela prática da legislação trabalhista rural no
Brasil. “É através da imprensa comunista, e das atividades que
ela supunha, que a noção de direitos começou a ser socializado
entre os trabalhadores, bem como a busca de reconhecimento social de
algumas práticas costumeiras como os direitos”
(1998, p.53).
O Terra Livre dedicava-se na divulgação dos direitos já concedidos
por lei, combatendo as injustiças e denunciando os camponeses
explorados. Essa postura gerava inquietação na elite agrária,
motivando perseguições policiais no campo e invasões nas casas de
trabalhadores das fazendas de café e das usinas de açúcar. No
entanto, essa repressão social não impediu o jornal de circular.
Muitas vezes sua distribuição era realizada na clandestinidade,
obedecendo a estratégias sigilosas e uma lógica própria de
funcionamento: “não tinha redação fixa e sua remessa era feita
cada vez de um lugar diferente, e por meio também diferente.
Enrolado com os impressos costurados em algodãozinho como qualquer
objeto enviado uma hora pelo correio, outra hora por trem assim o
jornal foi firmando e crescendo” (TERRA LIVRE, Maio, 1963).
O Terra Livre era constituído de diversas seções. Cada coluna se
dedicava a um tema específico, com assuntos que permeavam o campo da
política, economia, cultura, entre outras atividades.
Cartas
da Roça era o espaço dedicado aos lavradores dos diversos
pontos do país para se manifestar sobre os assuntos que mais o
preocupavam. Geralmente esse espaço era usado para denunciar abusos
e os diversos tipos de exploração sofridos no ambiente de trabalho.
Outra seção importante era o Almanaque Camponês.
Dedicado aos assuntos ligados à produção agrícola, tinha como
objetivo informar ao homem do campo sobre as diversas oportunidades
relativas à cadeia produtiva. Mas esta seção se dedicava também a
outras generalidades que serviam de entretenimento ao agricultor,
como por exemplo a culinária ou até mesmo piadas. As piadas tinham
como objetivo divertir os seus leitores, ridicularizando ironicamente
os proprietários de terra e, ao mesmo tempo, informando sobre a
exploração da “elite agrária”.
Poetas do Sertão foi o nome escolhido para uma coluna
dedicada aos versos e às poesias. Através dessa seção, o jornal
valorizava os temas culturais dedicado ao seu público. Era comum a
promoção de concursos para incentivar a criatividade dos
escritores, que além de buscar a satisfação pessoal, podiam
publicar seus versos e poesias, além de concorrer a diversos
prêmios. Os versos e as poesias publicados geralmente eram
encarregados de transmitir determinados valores da sociedade, ou
críticas sociais, mostrando o contraste da riqueza do Brasil,
concentrada nas mãos de poucos privilegiados, enquanto a maioria da
população era pobre.
O jornal também servia como instrumento de divulgação dos direitos
trabalhistas. Desde 1956, a coluna de maior popularidade era Conheça
seus Direitos. Por um longo período foi assinada por
Lyndolpho Silva (presidente da ULTAB) e procurava discutir, com base
na legislação existente, diga-se, a Consolidação das Leis do
Trabalho (CLT), os direitos que os trabalhadores tinham, mas que lhes
eram negados, tais como: férias, repouso semanal remunerado, direito
à habitação, salário mínimo sem distinção de sexo, limitações
na cobrança das taxas de arrendamento, entre outros.
Segundo as próprias palavras de Lyndolpho: “Porque em matéria de
legislação eu era estudado e, se não sabia, procurava saber com um
advogado aquilo que não entendia, algum amigo nosso que me dizia
efetivamente o que era”. (CUNHA, 2004, p.78). Lyndolpho Silva foi
um dirigente histórico do PCB desde 1946, membro integrante e
fundador da ULTAB, organizador do Congresso de Belo Horizonte, e,
posteriormente, o fundador e primeiro presidente da CONTAG, atuando
ativamente no processo de organização e luta dos trabalhadores
agrícolas do Brasil.
Através
dessa breve análise sobre as partes do jornal, pode-se observar que
ele tinha como objetivo defender os interesses dos trabalhadores
rurais explorados pelos latifundiários, transformando-se em um órgão
de luta, organização e orientação no desenvolvimento do movimento
camponês e principalmente na formação sindical e
na luta pela legislação trabalhista.
O jornal Terra Livre procurava divulgar a importância
da formação sindical. Desde o ano de 1955 o periódico vinha
enfatizando que: “o sindicato é a forma de organização dos
trabalhadores que vivem de salários e ordenados. São trabalhadores
que se associam para a defesa se seus direitos e a conquistas de suas
reivindicações, organizados no sindicato dos trabalhadores adquirem
uma força invencível” (TERRA LIVRE,1955, n.57).
Acrescenta-se a esses movimentos, a fundação da União dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB) em 1954, com
a finalidade de unir e organizar os trabalhadores rurais. Sob
presidência de Geraldo Tibúrcio, essa organização representava a
face legal do PCB para as questões que envolviam o campo
(COSTA,1996).
Segundo
Costa, o sindicalismo rural passou por uma fase inovadora com o papel
desempenhado pela I e II Conferência Nacional dos Trabalhadores
Agrícolas (CNTA). Através delas, iniciaram a campanha de fundação
de associações e sindicatos rurais, que fazem parte da estratégia
comunista para o campo. As conferências tiveram como objetivo a
organização dos assalariados agrícolas em sindicatos rurais e dos
camponeses em associações, uma pauta dos direitos e das
reivindicações dos trabalhadores agrícolas.
Convocada
por mais de 500 dirigentes sindicais urbanos, a primeira CNTA foi
realizada em setembro de 1953 em São Paulo, com 142 delegados. Foi
criada a Comissão Permanente da CNTA, tendo na presidência o
sindicato dos trabalhadores Agrícolas dos municípios de Ilhéus e
Itabuna, fundado em 1952, então o maior sindicato rural do País,
contando com mais de 6000 sócios e 13 delegacias sindicais.
De acordo
com Medeiros, entre as reivindicações apresentadas nesta
conferência, constava a reforma agrária, defendendo o confisco das
terras dos “latifundiários” e das “companhias estrangeiras”
e sua entrega gratuita aos “camponeses”. Além disso, buscavam a
proibição da meia e da terça, do pagamento em espécie e do
trabalho gratuito.
Segundo o
jornal Terra Livre, a comissão permanente da I CNTA, representante
legítima de milhões de trabalhadores do campo, apoiava as
campanhas em defesa do salário mínimo, temendo que ele fosse
anulado pela pressão dos patrões ao supremo tribunal
federal.“Formemos comissões nas usinas, nas fazendas, em todos os
lugares pela aplicação do salário mínimo , o aumento geral de
salários imediato congelamento dos preços” (TERRA LIVRE,
julho/1954, p.5).
Em
setembro de 1954 foi realizada na cidade de São Paulo, a II CNTA,
que reuniu 272 lavradores, 20 delegados representantes de sindicatos
operários e 11 operários urbanos. Foi elaborado a “Carta dos
Direitos e das Reivindicações dos Lavradores e Trabalhadores
Agrícolas do Brasil”, que obedecia as seguintes categorias:
trabalhadores das usinas de açúcar e da canavieira; assalariados
agrícolas, empreiteiros, contratistas; trabalhadores das fazendas de
café; assalariados agrícolas e lavradores da Zona Sul da Bahia;
arrendatários, meeiros e parceiros; posseiros e colonos
proprietários de terra. A carta defendeu as principais posições:
Distribuição
de terra dos latifúndios aos trabalhadores agrícolas e aos
lavradores sem-terra ou possuidores de terra insuficiente.
Entrega
de títulos de propriedade plena aos posseiros, ocupantes ou colonos
de terra, bem como a todos os lavradores que foram beneficiados com
a reforma agrária.
Ajuda
do estado através de medidas que estimulem a produção: ajuda
técnica, crédito fácil, barato ao longo prazo; fornecimento de
maquinaria e ferramentas.
Proibição
de todas as formas de exploração semifeudal como o trabalho
gratuito o pagamento em espécie, e outras formas de parceria.
Garantia
aos indígenas das terras por eles ocupadas.
Recuperação
do atraso social dos lavradores e dos trabalhadores agrícolas,
pela aplicação das mesmas garantias e direitos de que desfrutam os
trabalhadores da indústria.
Garantia
de estabilidade no emprego.
Proibição
de despejo no caso de dispensa, até que o trabalhador encontre um
novo emprego.
Além
disso, na II Conferência dos camponeses foi fundada a União dos
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB),
sob a presidência de Geraldo Tibúrcio, José Portela como
secretário geral e Lindolpho Silva como primeiro-secretário. Tinha
finalidade de unir e organizar os trabalhadores rurais,
proporcionando assistência jurídica em geral.
Nos dois primeiros anos, a ULTAB viveu em intensa atividade, foram
criadas quase 200 organizações, entre elas quase 46 sindicatos
rurais. Mas era comandada pelo partido (PCB), entravando muito de
seus trabalhos.
Entre os fatores intervenientes na atuação da ULTAB, consideramos
o PCB, que reproduziu as características do comunismo internacional,
uma organização altamente centralizada. Mas, apesar da ULTAB ser
influenciada pelo partido, Medeiros enfatiza que: “A ULTAB não era
mero porta-voz do PCB” (1995, p.185), essa frase expressa que ela
não tinha exclusividade com o partido, nem concordava com todos seus
atos. Pois enquanto entidade voltava-se para a organização e com
um perfil sindical ela necessitava compor alianças mais amplas.
O jornal Terra livre deixou claro que a ULTAB desempenhou o papel
de mediadora jurídica dos trabalhadores do campo. A partir do ano
de 1960 esse processo se torna mais organizado com a proposta de
instalação de um Departamento Jurídico para enfrentar os vários
casos que vinham surgindo.
Uma das primeiras atividades da ULTAB a ganhar espaço dentro do
jornal, foi à proposta de fazer uma campanha nacional de coleta de
assinaturas para defender a reforma agrária. Assim, promovia uma
socialização da palavra de ordem que os comunistas buscavam trazer
para um debate político mais amplo. Através do relatório elaborado
de acordo com a campanha vemos que :
Voltando-nos para as falhas do relatório da Comissão
executiva, indica que a RA democrática pode ser feita no atual
governo, depende exclusivamente da ampliação e da penetração da
campanha de participação decisiva e de suas organizações e do
surgimento de milhares de comissões organizadas em todos os lugares
principalmente entre os lavradores e trabalhadores agrícolas.
Através do relatório da ULTAB, vemos que ela não visa a mudança
do governo e nem quer abolir a propriedade privada. Visa conseguir do
governo a distribuição das terras e fazer surgir milhões de novos
proprietários os quais, assistidos técnicos e financeiramente,
elevarão rapidamente o seu padrão de vida, produziram com
abundancia e muito barato, melhorando assim as condições de vida
dos operários e do povo, o que ampliará as atividades comerciais e
industriais (TERRA LIVRE, n. 64 Abril /1956).
Segundo o jornal Terra Livre o relatório apresentado
pela comissão executiva da ULTAB mostra várias conquistas para a
campanha da RA (através da coleta de assinaturas), mas era
necessário além da distribuição das terras, lutar por uma série
de reformas parciais, como as leis que regulamentam o regime do
arrendamento, a extensão de toda a legislação social ao campo, a
proibição dos despejos, a garantia de preços mínimos
compensadores para os produtos, crédito fácil barato e longo prazo
para todos os lavradores, concessão de proprietários aos posseiros
entre outras medidas.
A I conferência da ULTAB, foi realizada na capital paulista, em
setembro de 1959, sua direção passa a ser composta por delegados e
representantes das associações filiadas pelo Conselho de
Representantes, composta por 25 membros, filiados ou não, por uma
Diretoria integrada por sete membros, e pelo Conselho Fiscal,
composto por três membros efetivos e três suplentes.
Certas medidas foram tomadas para erguer a ULTAB e estimular o
movimento camponês, como as propostas que se pensou para a sua I
Conferência, legalizar seus órgãos de direção, organizar os
camponeses e fortalecer as organizações já existentes.
O relatório aprovado nessa Conferência mostra que o número de
trabalhadores agrícolas reorganizados em associação era menor
comparado às organizações das camadas urbanas. As causas dessas
dificuldades são:
Dispersão
dos lavradores e trabalhadores agrícolas, espalhados pelas fazendas
e muitas vezes em região distante, assim, encontra-se eles isolados
e sujeitos a influência e a prisão dos patrões e proprietários
de terra.
Os
camponeses são comumente submetidos a formas de exploração de
negação de direitos de perseguição e de opressão por parte dos
latifundiários, dos agentes dos poderes públicos muito mais duras
do que as impostas aos trabalhadores da cidade.
As
migrações constantes em vários sentidos do norte para o sul, nas
várias zonas de um mesmo estado de fazendas para fazendas e o êxodo
rural para as cidades como conseqüência do empobrecimento e das
dificuldades das massas trabalhadoras do campo.
A
própria natureza do homem da roça disperso, isolado torna-o
arredio e desconfiado.
E ao
lado de tudo isso, a falta da tradição de organização no campo
em nosso país (TERRA LIVRE, n.88. fevereiro/1960).
Apesar
das dificuldades dos trabalhadores agrícolas se organizarem em
associações, aumentou a compreensão de quanto era necessário a
organização como instrumento de luta. Analisando o último item,
segundo Sebastião Dinart dos Santos, nota-se que o analfabetismo, o
atraso cultural e a opressão do latifúndio tornam extremamente
difícil a formação de quadros dirigentes de origem camponesa.
Abrindo caminho para os Latifundiários influenciar e dirigir a
população rural. Este será o grande obstáculo ao desenvolvimento
do espírito de associativismo entre os camponeses. Para Dinart dos
Santos:
[...] nas condições de domínio do latifúndio, os camponeses
brasileiros não conseguiram, espontaneamente, ir além de algumas
formas muito primitivas de organização, como são os mutirões e as
reunidas. Aliás, não devemos menosprezar o estudo e o valor dessas
formas elementares de organização; nelas está o germe dos
agrupamentos coletivo superior (TERRA LIVRE n.86, março/1959).
A I
Conferência da ULTAB centralizava as discussões na criação de um
movimento de opinião pública em favor de modificação da
estrutura fundiária. Neste sentido, aprovou-se o documento
intitulado “Carta sobre a reforma agrária” ,
apoiado pelos comunistas:
A reforma agrária não deve ser confundida, como fazem
propositadamente certas pessoas, com medidas parciais relacionadas à
agricultura, mas que não tocam na raiz do problema agrário, que é
o monopólio da propriedade da terra. Consideramos que a reforma
agrária deve ser um conjunto de medidas governamentais baseadas,
antes de tudo, numa profunda modificação da maneira como está
distribuída a terra no Brasil. A reforma agrária necessária ao
nosso País deve levar à democratização da propriedade da terra,
acabando com os privilégios da minoria de latifundiários e
transformando em proprietários de uma gleba os milhões de
camponeses sem terra (COSTA, 1996, p. 66).
De acordo com Costa, essa proposta de Reforma Agrária pretendia
acabar com o privilégio da minoria latifundiária e beneficiar
milhões de camponeses de todo o território brasileiro.
Além disso, a ULTAB, promoveu um encontro nacional para discutir
suas experiências particulares de luta, para traçar diretrizes
gerais e dar unidade ao movimento camponês. Contando com a
participação de aproximadamente 1600 delegados eleitos em 13
encontros estaduais, realizou-se entre os dias 15 e 17 de novembro de
1961 o importante congresso em Belo Horizonte (MG).
Segundo o Terra Livre o presidente da ULTAB, Lyndolpho
Silva, deixa transparecer no congresso a importância que a
instituição representa para os propósitos da reforma agrária
junto a outras associações de camponeses, mas vê a necessidade da
união da massa camponesa para conquistar uma grande unidade
nacional .
Várias conferências estaduais foram realizadas para
preparar o congresso, como a I Conferência Estadual dos Lavradores
e Trabalhadores em SP, iniciada no dia 30 de junho de 1961, a partir
dela surgem temas centrais para discussão como: propriedade da
terra, reforma agrária, regulamentação legal de contratos de
arrendamento e parceria.
Através da declaração do I Congresso Nacional de
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas podemos observar o debate sobre
a reforma agrária editado pela ULTAB, estimulando a união das
massas camponesas oprimidas e exploradas para participar do
Congresso, manifestando sua decisão de luta por uma reforma agrária
radical. Tal reforma contrariava as medidas paliativas propostas
pelas forças “retrograda da nação”, que adiava a liquidação
da propriedade latifundiária.
É o monopólio da terra, vinculado ao capital
colonizador estrangeiro, notadamente o norte-americano, que nele se
apóia, para dominar a vida política brasileira e melhor explorar a
riqueza do Brasil. É ainda o monopólio da terra o responsável pela
baixa produtividade de nossa agricultura, pelo alto custo de vida e
por todas as formas atrasadas, retrogradas e extremamente penosas de
exploração semifeudal, que escravizam e brutalizam milhões de
camponeses sem terra. Essa estrutura agrária, caduca, atrasada,
bárbara e desumana constitui um entrave decisivo ao desenvolvimento
nacional e é uma das formas mais evidentes do espoliativo interno
(IN: CUNHA, 2004, p. 171,172).
Dessa forma, para superar o subdesenvolvimento crônico,
a profunda instabilidade econômica política e social que impedia o
crescimento do país e aumentava a miséria do povo, os organizadores
do congresso acreditavam na necessidade de uma reforma agrária que
modificasse radicalmente a estrutura econômica agrária e as
relações sociais no campo.
A execução de uma reforma agrária, efetivamente
democrática e progressista, só poderá ser alcançada à base da
mais ampla e vigorosa ação, organizada e decidida, das massas
trabalhadoras do campo fraternalmente ajudadas em sua luta pelo
proletariado das cidades, os estudantes, a intelectualidade e demais
forças nacionalistas e democráticas do patriótico povo brasileiro
(IN: CUNHA, 2004, p. 173).
Para
realizar a reforma agrária que efetivamente interessava o povo e às
massas trabalhadoras do campo, julgavam-se necessário dar solução
à algumas questões, como: a radical transformação da atual
estrutura do país, com a liquidação do monopólio da propriedade
da terra exercido pelos latifundiários, substituindo-os pela
propriedade camponesa, em forma individual ou associada. Além das
medidas que visam modificar as bases da questão agrária, almejando
por soluções que melhorariam as atuais condições de vida e de
trabalho das massas camponesas, como:
Respeito ao amplo, livre e democrático direito de
organização independente dos camponeses, em suas associações de
classe.
Aplicação efetiva da parte da legislação
trabalhista já existente e que se estende aos trabalhadores
agrícolas, bem como imediatas providencias governamentais no
sentido de impedir sua violação. Elaboração de estatuto que vise
e uma legislação trabalhista adequada aos trabalhadores rurais.
Plena garantia à sindicalização livre e autônoma
dos assalariados e semi-assalariados do campo. Reconhecimento
imediato dos sindicatos rurais.
Além
disso, os dirigentes do Congresso reivindicavam o aumento dos gêneros
alimentícios como forma de corrigir a carestia de vida da população,
sobretudo as massas trabalhadoras da cidade e do campo, sugerindo
para o Estado a preparação de um plano de incentivo a agricultura
que assegurassem os preços mínimos compensadores nas fontes de
produção, transporte eficiente e barato, favorecimento na compra de
instrumentos agrícolas e outros meios de produção, garantia ao
fornecimento de semente, adubos e inseticidas, além de conceder aos
pequenos agricultores créditos acessível e aos pequenos
cultivadores combater o favoritismo dos grandes fazendeiros.
Através da comissão que discutia a RA., aprovou-se o
principal documento do Congresso, reivindicando a transformação da
estrutura agrária, a desapropriação do latifúndio, a posse e uso
da terra pelos que nela desejassem trabalhar. Reivindicava ainda o
direito de organização dos trabalhadores rurais e a modificação
do parágrafo 16 do art.141 da Constituição Federal, no sentido de
permitir as desapropriações por interesses sociais mediante
indenização em títulos públicos. Contudo, seu ponto central
reforçava a importância da reforma agrária como medida de solução
para os problemas não só dos trabalhadores rurais, como para o
conjunto do País.
O desenvolvimento econômico e social do Brasil exige a
solução de sua questão agrária milhões de trabalhadores sem
terras trabalham nos campos enfrentando sobre tudo dentro das grandes
propriedades agrícolas enormes dificuldades, trabalhando nas duras
condições do alto preço de arrendamento, da parceria, da falta de
assistência técnica e financeira, das perseguições movidas aos
posseiros, baixos salários com a liberdade elementar do cidadão
estrangeiro. Essa grande massa de trabalhadores quase não pode
comprar os gêneros mais essências a vida de suas famílias (TERRA
LIVRE, n. 596, Dezembro / 1961, p.106).
As
péssimas condições do trabalho no campo, levaram o trabalhador
rural a lutar pela realização da reforma agrária, dessa forma
aumentariam sua produtividade e o seu poder de consumo. Nestor Vera
faz um discurso no encerramento do congresso em que reforça a
importância da RA para o progresso do país naquele momento, como
segue:
Consideramos esta RA como uma necessidade inadiável e
vital, capaz de dar saída e de conduzir a completa solução ao
agudo estado de subdesenvolvimento crônico do tipo pré-capitalista,
capaz de dar solução crescente política e social em que nos
encontramos presentemente [...] (TERRA LIVRE, Novembro/1961).
Apoiado financeiramente pelo governo federal e contando com a
presença do presidente Goulart em seu encerramento, o Congresso de
Belo Horizonte provocou um forte impacto no movimento sindical.
Segundo Medeiros, o confronto entre as duas posturas dominantes no
movimento camponês – a do PCB e as Ligas- deu-se no Congresso o
marco das lutas no campo e da luta pela reforma agrária. Como
notamos nas palavras de Lyndolpho Silva no encerramento do congresso.
Este Congresso constituiu, sem dúvida alguma, um considerável
avanço e sólida demonstração do grau de consciência e justas
reivindicações de seu papel decisivo na sociedade, como também do
nível de organização e de métodos pelas conquistas necessárias à
superação da situação do campo através de uma reforma agrária
que efetivamente elimine o monopólio da terra pelo latifúndio e as
relações de produção de tipo pré-capitalista ainda imperantes em
nosso país (IN: CUNHA, 2004, p. 181)
Segundo Costa o movimento em favor da Reforma Agrária atribuiu
responsabilidade na fundação e reconhecimento dos sindicatos
rurais. O governo criou em outubro de 1962 a Superintendência da
Política Agrária (SUPRA), que colaborou na formulação da política
Agrária do País, planejando promover a reforma agrária.
A realização de uma reforma agrária radical não acontecia sem
uma significativa mobilização do homem do campo, um dos motivos que
levou o governo a conduzir para o caminho da organização sindical
do trabalhador agrícola. Neste sentido, uma das atribuições da
SUPRA, era realizar a força da sindicalização no campo. Como órgão
executor da tarefa foi criado a Comissão Nacional de Sindicalização
Rural (CONSIR), que desempenhou um papel ativo, ao criar as condições
que facilitaram aos homens do campo, sua mobilização em órgãos de
classe, marcando uma nova fase do movimento sindical no campo.
A CONSIR
e o Ministério do Trabalho viabilizaram a realização da assembléia
de fundação da Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG), reunida no Sindicato dos Bancários do Rio de
Janeiro, entre os dias 20 e 23 de dezembro de 1963, contou com a
ajuda da SUPRA e das entidades sindicais urbanas, além da
participação do Pacto Unidade e Ação (PUA) e o Comando Geral dos
Trabalhadores (CGT).
No que diz respeito às reivindicações, demandava a regulamentação
imediata do Estatuto do Trabalhador Rural, fundamentalmente dos itens
que se referiam à carteira profissional, à taxa de habitação, ao
conselho arbitral, ao imposto sindical, a aplicação da previdência
social já regulamentada, com extensão de salário família ao
trabalhador do campo, efetiva aplicação do salário mínimo, e luta
por aumento de salário, liquidação de racionamento e aumento do
nível do atual salário mínimo, preço mínimo compensador na fonte
de produção, baixas das taxas de arrendamento e sua regulamentação,
extinção dos despejos e plantio de capim nas terras de cultura,
título de posso aos posseiros [...] (MEDEIROS, 1995, p.193).
Outro tema em destaque neste contexto é a luta pela conquista de uma
legislação social. É quase consenso a historiografia brasileira
dizer que o Estado excluiu os trabalhadores rurais dos benefícios e,
também do controle, advindos da lei
No Brasil, historicamente, a legislação social trabalhista
manifestou-se primeiramente no operariado urbano e, só depois de
muita luta chegou aos assalariados rurais, camponeses e demais
categorias de trabalhadores do campo.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), editada em 1943, excluía
os trabalhadores rurais dos benefícios sociais da legislação.
O debate sobre a legislação rural só tomou corpo a partir da
década de 50, motivado pela atuação de Getúlio Vargas, em seu
último mandato, visando estender a legislação social aos homens do
campo e pelos movimentos de camponeses que eclodiram nessa década em
todo o país (PRIORI, 1996).
Nesse segundo mandato, Vargas formulou uma política visando
estender a legislação social aos homens do campo. No ano de 1951, o
presidente enviou ao Congresso Nacional a proposta da aprovação do
Serviço Social Rural, visando a prestação de serviços sociais às
comunidades rurais.
Para
expor esse projeto no congresso, Vargas comparou a situação do
trabalhador rural com o urbano, vendo neste último uma camada
superior, alfabetizada e educada, com renda média elevada, o que os
possibilitava um padrão de vida melhor do que a maior parte da
população rural. Por isso, Vargas via a necessidade de:
[...] estender aos homens do
campo, progressivamente, os benefícios de um programa de assistência
e de uma legislação especifica que lhes assegure mais eficazes
garantia de trabalho e salários mais compensatórios, proteção
contra acidentes de trabalho, além de aposentadoria e pensão nos
casos de invalidez ou velhice (VARGAS, 1969, vol I).
Além
disso, a preocupação do presidente em estender a legislação
social aos trabalhadores campo, estava inserida na modernização e
no crescimento econômico do país, “... através de uma acelerada
industrialização por substituição de importações, diminuir a
dependência econômica do Brasil em relação aos países
desenvolvidos...” (STOLCKE, 1986, p.132). O setor agrícola era
posto em segundo plano pelos políticos, mesmo fornecendo capital
para industrialização rápida e, atendendo ao mercado interno com
matérias-primas para a indústria nacional. “Em tudo, uma
deliberada promoção do atraso no campo, para garantir o
desenvolvimento e a modernização na cidade, na indústria”
(MARTINS, 1986, p.80).
O
desenvolvimento da cidade era estimulado pela grande
industrialização, enquanto o trabalhador rural clamava por uma
legislação rural que os amparassem. “As relações de trabalho no
campo variam consideravelmente no tempo e no espaço, em contraste
com o que se dá na indústria e no comércio” (PRADO JR, 1981,
p.44).
Mas,
devemos considerar que o Estado teve certas precauções com relação
ao seu projeto de extensão da legislação social ao campo. Apesar
do presidente ter um discurso incisivo, não foi portador de um
projeto que regulamentasse as relações de trabalho de imediato. O
Serviço Social Rural não passava de uma autarquia, com pretensão
de melhorar as condições de vida da população. Segundo as
palavras de Vargas:
A intervenção do Estado na
vida social do campo tem que ser cuidadosamente estudada e
programada. Nada mais perigoso do que, sem maiores cautelas, procurar
simplificar esta tarefa, estendendo-se ao ruralista mecanicamente, de
uma penada, o conjunto da reforma social atual, reforma tipicamente
urbana, compreendo o seguro social compulsório, os serviços sociais
públicos e privados, etc., para incluir no seu âmbito a grande,
heterogênea, estrutural e funcionalmente complexa massa da população
rural, com suas características, necessidades e padrões de
existência nitidamente diferentes dos da “clientela” tradicional
daqueles instrumentos da política social urbana (VARGAS, 1969,
p.14).
Apesar dos discursos populistas de Vargas, referentes aos
trabalhadores rurais, o presidente não se empenhava em fortes
projetos de leis, para não contrariar os grandes proprietários de
terras, institucionalizados na Sociedade Rural Brasileira (SRB).
Nesta perspectiva o Serviço Social Rural, não trouxe resultados
significativos em relação a conquista de benefício para os
trabalhadores rurais.
Uma das
importantes mudanças iniciadas no Pós-Guerra foi à inversão da
relação campo / cidade, reduzindo a população rural no decorrer
da década de 1950. O problema agrário no Brasil impossibilitou
muitos brasileiros de viver e trabalhar na própria terra em que
nasceram. “Não era apenas o êxodo rural causado pelas secas,
seculares em sua repetição e descaso, mas também a tensão do
binômio minifúndio / latifúndio, exercendo uma pressão
insuportável sobre um punhado de terra / meu último bem / no
coração do Brasil” (LINHARES; TEIXEIRA DA SILVA, 1999, p.151).
Outro
fato importante que altera as condições sociais no setor agrário,
é o aumento simultâneo do uso de fertilizantes, tratores e demais
técnicas agrícolas, revelando a modernização do processo
produtivo na agricultura. Devemos considerar que os processos de
urbanização e industrialização não são as únicas causas do
movimento migratório nas cidades. O êxodo também é provocado
pelas modificações ocorridas no ambiente rural. Com a expansão das
técnicas capitalistas no campo, gera-se o desemprego e a expulsão
de uma parte dos trabalhadores.
Os
assalariados rurais foram prejudicados com a introdução das
“culturas modernas” (voltadas para o mercado externo), em função
do aumento da demanda de produtos primários no pós-guerra, usando
de insumos químicos e mecanização em larga escala. Notou-se que a
necessidade de mão-de-obra permanente nas grandes propriedades foi
diminuindo.
É sabido que o desenvolvimento
da agricultura brasileira fundou-se na concentração fundiária, na
produção para o mercado externo e numa estreita seletividade de
agentes econômicos capazes de se instalarem nos mercados mais
rendáveis e na captação de recursos públicos. O pacote
tecnológico apontado anteriormente seguiu a tradição. Ele
disseminou-se com base num sistema seletivo e excludente da economia
brasileira (RICCI, 1999, p.120).
Assim, o instrumento mais eficaz do sistema de seletividade
econômica na agricultura foi o crédito rural subsidiado que
estimulou um novo padrão tecnológico agrícola, a princípio
visava o desenvolvimento dos pequenos produtores rurais. Mas, no
decorrer de uma década, a tendência de concentração de recursos
voltou-se para as propriedades de maior porte, tornando mais
competitiva a produção dos latifúndios. “Mantinha-se a
tradicional concentração de rendas na agricultura e
privilegiavam-se as culturas extensivas, notadamente aquelas voltadas
à exportação” (RICCI,
1999, p.12).
Por
isso, Vargas sugeriu a extensão da legislação ao campo, que seria
uma forma de combater o desmantelamento da agricultura, pois tal fato
traduzia em conseqüências mais sérias, ou seja, um intensivo êxito
rural e a necessidade de aumentar a oferta de alimentos,
principalmente para abastecer o mercado interno.
Para
conter o êxodo rural, o presidente propõe a criação de uma
política agrícola, visando aumentar a produtividade, utilizando-se
das modernas técnicas de cultivo e, ao mesmo tempo, montar um parque
industrial, para ampliar a produção agrícola.
Lembramos
que o êxodo rural não foi conseqüência puramente do processo de
industrialização intensificado no Brasil a partir dos anos 50, ou
da disparidade de tratamento entre o trabalhador da cidade e do
campo. Foi motivado também, pelas péssimas condições em que
viviam os trabalhadores rurais, como segue as palavras de Vargas:
“Não podemos por mais tempo assistir ao despovoamento dos campos e
ao desequilíbrio entre as condições de vida observadas nas zonas
rurais e nas urbanas” (VARGAS, 1969, p.378, Vol. I).
Portanto,
para combater o êxito rural, Vargas considerou necessário em
primeiro lugar, incentivar o processo de colonização de novas
áreas, reforçando a política originada no Estado Novo conhecida
como “Marcha para o Oeste”, estrategicamente centrada sobre a
criação de colônias agrícolas nacionais no interior do país, nas
áreas ditas “vazias”. “Tal política foi sendo implantada
simultaneamente à manutenção de alianças com os grandes
proprietários de terras que não foram afetados diretamente pelas
obrigações trabalhistas aplicadas nas cidades” (LENHARO, 1986,
p.14).
Dessa
forma, “promoveriam o aumento da produção agrícola e mineral, o
que reverteria em favorecer o desempenho industrial do país,
condição prioritária para a unidade econômica visada” (LENHARO,
1984, p.8). No entanto, objetivava-se “cercar” as áreas ocupadas
com a nova proposta de colonização escorada sobre a pequena
propriedade e, principalmente, sobre o sistema cooperativo de
produção e comercialização, concentrado nas mãos de burocratas
ligados á alta administração. “Mais importante que isso,
tratava-se de criar um novo conceito de trabalho e trabalhador, uma
contrapartida do que já se praticava no setor urbano-industrial: o
forjamento do trabalho despolitizado, disciplinado e produtivo”
(LENHARO, 1986, p.15).
Portanto,
as estruturas agrárias não são nem absolutamente rígidas nem
absolutamente fechadas. Do ponto de vista do desenvolvimento
econômico, baseado na industrialização, a sociedade agrária
deveria sofrer mudanças mais drásticas e aceleradas. [...]
Entretanto, é conveniente observar que as estruturas agrárias não
são autônomas e imunes às mudanças. Em realidade, elas são
integradas a estruturas mais amplas, nacionais e internacionais
(IANNI, 1978, p. 43).
Para
compreendermos a estrutura da política de massas, devemos considerar
a composição rural-urbana do proletariado industrial, lembrando que
sua inexperiência política, muitas vezes provém dos contingentes
migratórios, no sentido das cidades e dos centros industriais,
intensificadas a partir de 1945. O horizonte cultural desses homens
está profundamente marcado pelos valores e padrões do mundo rural,
predominando formas patrimoniais ou comunitárias de organização do
poder, de lideranças e submissão.
Em
particular, o universo social e cultural do trabalhador agrícola
(sitiante, parceiro, colono, camarada, agregado, peão, volante,
etc.) está delimitado pelo misticismo, a violência e o conformismo,
como soluções tradicionais. Esse horizonte cultural modifica-se na
cidade, na indústria, mas de modo lento, parcial e contraditório
(IANNI, 1978, p. 57).
Porém,
Ianni discorda de que as condições de atraso e exploração
alimentam diretamente as tensões políticas no mundo agrário.
Segundo o autor, as condições inerentes as relações de produção
na sociedade rural, adquirem caráter político no momento que
conquistam componentes próprios da situação de classe. Enquanto o
universo social e cultural estiver contaminado pelos valores e
padrões comunitários e patrimoniais, os trabalhadores não formulam
suas reivindicações em termos propriamente políticos.
Por
isso, o reconhecimento dos trabalhadores rurais enquanto “classe”
era importante, pois eram impedidos de se fazer representar por
sindicatos ou legislativamente, já que excluídos do processo
eleitoral, não tinham participação das escolhas políticas do
país. Esse fato aumentava a dependência dos trabalhadores em
relação aos proprietários de terras, aos quais estavam submetidos,
controlados por mecanismos do coronelismo. Esse tipo de exclusão
política, sustentada pelo Estado, possibilitava à burguesia rural
um lucro político que a mantinha no poder e um grande controle sobre
os homens pobres do campo (LEAL 1978).
O
Estatuto do Trabalhador Rural – ETR, passou por anos de discussão
parlamentar. Assim, do ponto de vista político “sua flexibilidade
revelou-se providencial”, permitindo a formação de um centro
estabilizador para abrigar ou mesmo implementar medidas de longo
prazo, responsáveis por minar lentamente a hegemonia agrária, tais
medidas foram reconhecidas durante o governo de Vargas e de seus
sucessores. “Mas essa composição – que permitiu a consolidação
de um parque industrial e financeiro - teve como contrapartida à
garantia do monopólio da terra e, mesmo nos períodos de abertura
política, o controle absoluto das populações rurais” (CAMARGO,
1981, p.126).
Esse debate ampliou-se a partir da apresentação no Congresso
Nacional do projeto de lei que visava criar um Estatuto para o
trabalhador rural, realizado pelo então deputado pelo Estado do Rio
Grande do Sul, Fernando Ferrari, em 06 de maio de 1960. Os principais
pontos do projeto visavam garantir os direitos dos trabalhadores que
eram desrespeitados pelos proprietários rurais e a regularização
da sindicalização rural
Esse projeto lei foi aprovado em 2 de março de 1963, com a
promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural - ETR (Lei n. 4.214).
No entanto o estatuto recebeu críticas por parte das classes
dominantes rurais, no que se referia principalmente à estabilidade
de emprego e à sindicalização rural, uma vez que direitos como
salário mínimo e férias, mesmo desrespeitados pelos proprietários
rurais, eram garantidos pela CLT.
Com relação à estabilidade do emprego, o discurso ruralista
enfatizava as possíveis incompreensões sociais que
dificultaria o relacionamento harmonioso entre trabalhadores e
patrões. Os trabalhadores rurais, segundo os ruralistas, estavam
acostumados a mudar de emprego, fascinados pela aventura do
nomadismo, escolhendo por receber a indenização pela estabilidade
(PRIORI, 1996).
A preocupação das classes dominantes rurais em relação à
sindicalização se devia ao fato de que para eles, essas entidades
poderiam perturbar a paz social reinante no campo, enveredando-se por
um caminho de modificações da estrutura econômica, social e
jurídica da sociedade, já que seriam passíveis da influência de
“agitadores profissionais” ou seja, os militantes
das Ligas Camponesas e do PCB (PRIORI, 1996).
No ano de 1963, durante o governo João Goulart, aconteceu a
regulamentação dos sindicatos dos trabalhadores rurais. Neste mesmo
ano foi fundada a Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Agricultura (CONTAG), continuando o trabalho de formação e
reconhecimento dos sindicatos. Por outro lado, o ETR significou um
maior controle nas relações de trabalho no campo.
Concluímos que os anos 50 e 60 foram marcados pela efervescente luta
e organização dos trabalhadores rurais, esses movimentos
contribuíram para a formação dos trabalhadores rurais enquanto
“classe”, porque foi através desses e de seus órgãos de
representação que o homem do campo conquistou um espaço maior no
cenário social. Neste período, as notícias publicadas no Jornal
Terra Livre colaborou para a organização dos camponeses através da
representação sindical, do estímulo do debate sobre a Reforma
Agrária como mecanismo do desenvolvimento nacional e a da proposta
de extensão da legislação social ao homem do campo.
Referências
Fontes:
Jornal
Terra Livre, 1954 a 1964
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