O MORDOMO - escrito pelo aluno Felipe de Souza

Você é um quadro.

Um quadro que foi pintado em um quarto escuro.

Um quarto cercado de janelas com uma cortina negra que impede qualquer vida de luz ultrapassar a grossa camada que repugna todo aquele brilho. Mas você, ainda assim, é um quadro lindo, com traços coloridos que formam curvas sorridentes.
E ali mesmo, nas trevas, eu poderia diferenciar os pincéis no qual foi pintada cada parte daquele retrato.
Sentado naquela sala por horas sem tirar o foco dos lábios rosados e doces com uma cor mais real que o absoluto, eu tento entender. Meus olhos inquietos procuram o autor daqueles lábios nos quatro cantos do quadro, mas não encontra. Então cedo aos teus olhos. E nesse novo mar questiono se não é ali que esta toda autoria. Perco-me por mais horas e horas. E nessas horas seu olhar penetra minha alma com aquela fina, aguda, pitada dor que os amantes sentem no coração. Sou eu um amante? Um amante desse retrato perfeito? Quando sinto que estou perto da resposta, da cor de seus olhos... sua pele brilha. E meus olhos correm para a nova surpresa. Se seus olhos são o mar, sua pele tem a cor do mar. É nesse momento que confundo o pano do quadro com sua textura, pintada em ouro. Uma pele angelical. E se eu pudesse tocá-la? Levanto-me num pulo e no mesmo instante o quadro começa a se desfazer. Vou em direção a ele, mas meus pés se afundam no mármore que também é treva. E mesmo assim não tiro os olhos do quadro, minha persistência é magnífica. O quadro por sua vez fica mais distante, e quando quase sumindo num pequeno ponto eu me rendo, vou de joelhos no chão e choro esmurrando o mármore que mais parece um algodão. E por horas e horas ali eu lamento a aguda dor dos amantes. E quando levanto minha cabeça novamente, ele está ali como se nunca tivesse fugido. Olhando-me e exibindo toda a sensação de possessão que agora não tenho, mas ele me tem. Neste momento a dor aguda deixa evidente minha maldição. Eu volto a sentar. E continuo observando o quadro.
Alguém bate três vezes na porta. Eu continuo no silêncio da minha contemplação. Talvez nem tenha mesmo ouvido alguém bater. De qualquer forma o Mordomo entra, passa por mim, caminha até a janela e arrasta as cortinas. A luz invade a escuridão e vai direto para o retrato.
-Tudo bem - O Mordomo aproxima-se e coloca a mão em meu ombro - Eu estou aqui!
E meus olhos lacrimejados continuam fitando o quadro.

Um quadro em branco...

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