Você
é um quadro.
Um
quadro que foi pintado em um quarto escuro.
Um
quarto cercado de janelas com uma cortina negra que impede qualquer
vida de luz ultrapassar a grossa camada que repugna todo aquele
brilho. Mas você, ainda assim, é um quadro lindo, com traços
coloridos que formam curvas sorridentes.
E ali mesmo, nas trevas, eu
poderia diferenciar os pincéis no qual foi pintada cada parte
daquele retrato.
Sentado
naquela sala por horas sem tirar o foco dos lábios rosados e doces
com uma cor mais real que o absoluto, eu tento entender. Meus olhos
inquietos procuram o autor daqueles lábios nos quatro cantos do
quadro, mas não encontra. Então cedo aos teus olhos. E nesse novo
mar questiono se não é ali que esta toda autoria. Perco-me por mais
horas e horas. E nessas horas seu olhar penetra minha alma com aquela
fina, aguda, pitada dor que os amantes sentem no coração. Sou eu um
amante? Um amante desse retrato perfeito? Quando sinto que estou
perto da resposta, da cor de seus olhos... sua pele brilha. E meus
olhos correm para a nova surpresa. Se seus olhos são o mar, sua pele
tem a cor do mar. É nesse momento que confundo o pano do quadro com
sua textura, pintada em ouro. Uma pele angelical. E se eu pudesse
tocá-la? Levanto-me num pulo e no mesmo instante o quadro começa a
se desfazer. Vou em direção a ele, mas meus pés se afundam no
mármore que também é treva. E mesmo assim não tiro os olhos do
quadro, minha persistência é magnífica. O quadro por sua vez fica
mais distante, e quando quase sumindo num pequeno ponto eu me rendo,
vou de joelhos no chão e choro esmurrando o mármore que mais parece
um algodão. E por horas e horas ali eu lamento a aguda dor dos
amantes. E quando levanto minha cabeça novamente, ele está ali como
se nunca tivesse fugido. Olhando-me e exibindo toda a sensação de
possessão que agora não tenho, mas ele me tem. Neste momento a dor
aguda deixa evidente minha maldição. Eu volto a sentar. E continuo
observando o quadro.
Alguém
bate três vezes na porta. Eu continuo no silêncio da minha
contemplação. Talvez nem tenha mesmo ouvido alguém bater. De
qualquer forma o Mordomo entra, passa por mim, caminha até a janela
e arrasta as cortinas. A luz invade a escuridão e vai direto para o
retrato.
-Tudo
bem - O Mordomo aproxima-se e coloca a mão em meu ombro - Eu estou
aqui!
E
meus olhos lacrimejados continuam fitando o quadro.
Um
quadro em branco...
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